Parditude é o primeiro projeto antirracista do Brasil com foco em pautas multirraciais, que surge da necessidade urgente de dar voz e visibilidade às pessoas mestiças. Este grupo, que representa cerca de 45,3% da população brasileira, segundo o IBGE, ainda carece de representatividade e reconhecimento em pesquisas acadêmicas e debates públicos. Estudos, como o de Vainer e Lopes (2018), evidenciam a escassez de investigações aprofundadas sobre as experiências cotidianas dos indivíduos mestiços no Brasil, especialmente no que se refere aos processos de racialização.
Enquanto a academia analisa amplamente os impactos da mestiçagem, seus sentidos e a maneira como influencia as relações raciais no país, faltam pesquisas que investiguem, de forma empírica, a construção e a vivência diária dos mestiços. A mestiçagem, historicamente, foi usada como justificativa para negar o racismo no Brasil, com o argumento falacioso de que “se há mistura racial, o racismo não pode existir”. Essa visão é enganosa e desconsidera a persistência de relações hierárquicas que marginalizam negros, indígenas e mestiços em várias esferas da sociedade, como em famílias, escolas e ambientes de trabalho.
A socióloga Sueli Carneiro destaca que pretos e pardos compartilham condições de vida similares, sendo igualmente subalternizados em relação aos brancos. A miscigenação, além disso, foi utilizada como uma estratégia de divisão, fomentando ódio e rejeição entre negros, indígenas e mestiços, o que levou muitos a buscar o “ideal de branqueamento” para se aproximar da branquitude.
Nos anos 1970, conforme Munanga, os movimentos negros brasileiros começaram a adotar o conceito de hipodescendência para redefinir a identidade negra, incluindo os mestiços com ascendência negra na categoria da negritude. Essa mudança gerou avanços importantes, como as cotas raciais, mas também trouxe desafios para adaptar esse conceito ao Brasil, devido à nossa cultura assimilacionista e à presença indígena no grupo “pardo”.
O conceito de hipodescendência, originado nos Estados Unidos para justificar a segregação racial e as leis anti-miscigenação, categoriza os mestiços como parte do grupo racial “inferior”, uma estratégia eugenista que busca preservar a “pureza” da brancura. Nos EUA, pessoas mestiças que assumem a identidade negra enfrentam crises existenciais, evidenciadas por filmes e séries como Ginny & Georgia e Colin in Black & White, além de documentários como Last Chance U, que retratam histórias reais de jovens mestiços confrontando suas identidades.
O movimento pela valorização da identidade multirracial nos Estados Unidos, impulsionado pelo sociólogo G. Reginald Daniel, tem crescido de forma consistente, ampliando o reconhecimento da condição mestiça e desafiando o racismo institucionalizado. Nesse contexto, o Parditude surge para responder a questões urgentes: como conciliar justiça racial com a valorização da multirracialidade e evitar reforçar conceitos eugenistas como a hipodescendência, que negam as vivências mestiças?

O racismo no Brasil não pode ser analisado com um olhar binário (brancos x negros). Como afirma Janaína Bastos, em 50 Tons de Racismo: “Quando olhamos apenas por essa lente, perdemos a complexidade da questão”.
Portanto, Parditude propõe:
- Reconhecer a experiência mestiça sem fragmentá-la.
- Resgatar as memórias indígenas e africanas.
- Promover uma visão antirracista que respeite a diversidade e o contexto brasileiro.
A proposta de Parditude dialoga com teóricas como Gloria Anzaldúa, que introduz o conceito de Consciência Mestiça para compreender as fronteiras híbridas e complexas da identidade mestiça. Ao valorizar a multiplicidade e as contradições, a perspectiva de Anzaldúa oferece ferramentas valiosas para analisar os desafios e as possibilidades da identidade parda no Brasil, superando as limitações das teorias raciais binárias.

Como afirma Abiola Akandé Yayi: “Não existe meio humano. Você é quem é. E se você não tiver satisfeito com seus antepassados brancos, procure fazer melhor que eles para mostrar que não é uma fatalidade ser descendente deles, mas não negue parte de você. Em África, não higienizamos o sangue, não excluímos nenhum antepassado.”

Além disso, Parditude é uma comunidade de acolhimento para pessoas mestiças, que frequentemente se veem excluídas tanto pelos brancos quanto pelos espaços afirmativos negros. Muitas dessas pessoas não se sentem plenamente parte de nenhum dos grupos. Nosso objetivo é criar um espaço seguro e terapêutico, onde possam se sentir validadas e amadas, porque, como afirmam estudiosos e terapeutas, quando indivíduos com dores semelhantes se encontram e se reconhecem, isso pode ser um processo de cura. E é isso que falta: um lugar seguro para aqueles que, mesmo enfrentando o racismo, se sentem isolados ou abandonados, simplesmente porque sua aparência mestiça não se encaixa nos modelos raciais contemporâneos.