Quando políticas identitárias ignoram a realidade – por Beatriz Bueno da Parditude

No Brasil, a raça — um espectro de diversidade miscigenada — é forçada a um sistema binário, enquanto o sexo — antes binário — é reinventado em um espectro de identidades.

Lembro-me de ter apenas quinze anos, em 2013, quando me interessei pela primeira vez pelas lutas sociais. As que mais me fascinavam eram o feminismo e o antirracismo. Eu era jovem, idealista e ansiosa por lutar por justiça em um país tão desigual como o Brasil. Sempre me identifiquei com a Esquerda, com os movimentos que carregavam a promessa de transformação e igualdade social.

Com o tempo, senti-me atraída pelo feminismo radical — aquele que define as mulheres pelo seu sexo, não pela autoidentificação subjetiva. Comecei também a notar como o movimento negro brasileiro, à medida que se institucionalizava, passou a propor uma divisão rígida entre “negros” e “brancos”, apagando os indígenas e negando a realidade vivida da miscigenação racial.

Foi quando comecei a me alinhar a uma forma de pensar a justiça racial que se recusa a apagar uma das verdades fundadoras da nossa identidade nacional: a miscigenação, o entrelaçamento de povos e histórias, o corpo pardo como testemunha viva da complexidade do Brasil.

Avançando para 2025: agora me encontro em uma realidade distópica onde sou atacada exatamente pelos movimentos que um dia admirei.

Sou acusada de transfobia por ativistas queer — simplesmente por afirmar que mulheres são fêmeas humanas. E sou acusada de racismo por ativistas negros — por falar sobre miscigenação racial em um país reconhecido mundialmente por sua herança miscigenada.

A mesma Esquerda que um dia formou minha consciência é agora a que tenta silenciar qualquer pensamento que saia do seu roteiro importado.

Nos últimos anos, uma onda de políticas de identidade importadas dos Estados Unidos — muitas vezes financiadas por grandes corporações e amplificadas pelas redes sociais — remodelou o debate público no Brasil.

O que começou como uma luta legítima por igualdade, em muitos casos, transformou-se em um conjunto de dogmas ideológicos descolados da realidade brasileira.

Através desse processo, emergiram duas formas de negacionismo que se espelham: o negacionismo racial, que nega a realidade miscigenada do nosso povo, e o negacionismo biológico, que nega a realidade do sexo.

Neste novo vocabulário militante, pessoas miscigenadas não existem, e ser mulher é apenas um sentimento. É assim que causas outrora nobres perdem sua legitimidade popular.

Mas a realidade, cedo ou tarde, se impõe.

Mais e mais mulheres — e homens — estão encontrando a coragem para questionar um discurso que por muito tempo falou sem ser confrontado. Durante anos, qualquer crítica foi rotulada como preconceito, e qualquer questionamento foi silenciado sob uma retórica de vitimização construída sobre dados distorcidos e chantagem emocional. Agora que seus dogmas estão sendo desafiados, esses grupos recorrem ao poder institucional para intimidar e punir a dissidência.

Em termos raciais, eles querem reduzir uma sociedade plural e miscigenada a um binário artificial.

Em termos sexuais, eles querem dissolver o binário biológico do sexo em uma lista infindável de identidades artificiais.

Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: a negação da realidade concreta em favor da ideologia abstrata.

Mas o Brasil real — o das famílias multirraciais, das mulheres de carne e osso, de um povo que se mistura e resiste — ainda existe, apesar das teorias importadas.

E é aí que a força de um pensamento crítico renovado ressurgirá.

Porque o senso de justiça que me moveu aos quinze anos permanece inalterado: uma justiça enraizada na verdade e na dignidade da vida real — não em slogans.

Eu ainda acredito que é possível reconstruir uma Esquerda que ame mais a realidade do que as suas próprias teorias, uma Esquerda que enfrente o poder sem negar quem somos.

E talvez, quando essa Esquerda redescobrir o terreno da verdade, ela finalmente reencontrará o seu povo.

**Este post foi originalmente escrito em inglês para o jornal Unpeople Club, onde sou colunista. Nosso trabalho lá é produzir textos para denunciar ao mundo o que está acontecendo no Brasil.

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